quinta-feira, novembro 09, 2006

Insegurança jurídica no Turismo

Entre as funções do Direito está oferecer segurança à sociedade em geral, definindo previamente comportamentos lícitos e ilícitos, permitindo saber-se, de antemão, o que se deve fazer. Falha o Direito quando o cidadão, diante de uma situação, não sabe o que é certo ou errado, agindo de improviso, arriscando-se a ser punido.
Conhecer as regras jurídicas é uma boa forma de evitar problemas futuros. Veja o que fizeram algumas companhias aéreas européias com o problema do overbooking. Como se sabe, para evitar vagas decorrentes de desistências, há empresas que fazem reservas em número superior à capacidade; o excesso é assimilado pelas desistências. Quando não há desistências em número suficiente, alguns consumidores são prejudicados e podem pedir indenizações pelos prejuízos econômicos e morais que sofreram, o que varia de caso a caso. Se foi um executivo que perdeu um negócio de milhões, a indenização corresponderá a esses milhões: foi a companhia que causou aquele prejuízo. Para evitar tais indenizações, diante do excesso de apresentações, as companhias passaram a chamar os consumidores e oferecer vantagens para quem desistisse de embarcar. Por exemplo, ir no vôo do dia seguinte, mas ganhar um city tour, jantar em restaurante de luxo, ir a um show, pernoitar em hotel cinco estrelas. Mimos que nunca saem tão caros quanto uma indenização. Não-raro é preciso sortear entre as diversas pessoas que se oferecem para ficar, como estudantes que não perdem um passeio ou noitada gratuita. É apenas um exemplo entre tantos outros que poderiam ser dados sobre a importância econômica de se trabalhar com as leis como parte das estratégias da empresa, conhecendo-as e considerando-as como fator de segurança empresarial.
Isso, porém, pode não ser suficiente. O estudo das normas reguladoras do turismo em nosso país deixa claro haver inúmeras lacunas, justamente sobre problemas mais comuns. Existem normas excessivamente genéricas que, todavia, não solucionam problemas como a possibilidade de o turista desistir da viagem no último instante e, ainda assim, exigir de volta a totalidade do que pagou. O Direito Europeu, por exemplo, define prazos nos quais a desistência é possível e, até, períodos nos quais não mais se considera lícita a desistência, presumindo-se o prejuízo total do agente de viagem.
O problema, em boa medida, poderia ser resolvido se o Ministério do Turismo se encarregasse de editar portarias regulamentando, no âmbito das atividades turísticas, normas gerais como o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e outros. Esse poder de regulamentação existe, embora deva ser exercido estritamente dentro dos limites da Constituição e das leis, sem contrariá-las. O DAC – Departamento de Aviação Civil faz uso desse poder, regulamentando a atividade aeronáutica por meio de resoluções; as diversas secretarias do Ministério do Trabalho editam, igualmente, portarias e instruções normativas que regram as relações de emprego no país. No turismo, as resoluções do CNT - Conselho Nacional de Turismo e, após a sua extinção, as deliberações normativas da Embratur, cumpriram essa função – se bem que, ao final, revelaram diversas inconstitucionalidades e ilegalidades. Mas enquanto não incidiram nesses vícios, garantiram segurança a fornecedores e consumidores, definindo os padrões que deveriam ser respeitados na prestação de serviços turísticos.
Com a criação do Ministério do Turismo, a Embratur perdeu esse poder de regulamentação, tornando-se apenas um órgão de captação de visitantes para o país. A função foi transferida para o Ministério do Turismo, como ocorre com o Ministério das Comunicações, das Minas Energias e outros. No entanto, passados 2 anos da criação do Ministério, não se viu ainda a edição de normas regulamentares que cuidem da classificação de empreendimentos e serviços (atribuição de estrelas), requisitos mínimos de qualidade, normas orientadoras dos contratos. O resultado, infelizmente, é a perenização da insegurança.