Num incidente inusitado, um Boeing da Varig teve de interromper um vôo de São Paulo para Minas anteontem à noite depois que a peça de uma turbina se desprendeu - ela caiu numa casa do Jardim Presidente Dutra, em Guarulhos, e furou o telhado. Ninguém se feriu, mas os passageiros viveram momentos de pânico a bordo, depois de ter ouvido um barulho semelhante a uma explosão e visto chamas saindo da turbina.
"Eu assistia à TV quando o avião ia levantando vôo. Aí foi aquele barulho: plaft! teim! pam!", disse o aposentado Justino Ferreira da Silva, de 76 anos. O fragmento de uma das palhetas da turbina, de 15 centímetros de diâmetro, perfurou o telhado. "Minha mulher estava jantando. A peça abriu um buraco no teto de brasilit e entrou na sala. Veio que nem bumerangue. E parou na cozinha. Não sei como não pegou nela."
O incidente aconteceu por volta das 23 horas, quando o Boeing 737, com 77 passageiros, decolava do Aeroporto Internacional Franco Montoro, em Cumbica, com destino ao Aeroporto da Pampulha, Belo Horizonte. Ao detectar o problema, o comandante retornou a Cumbica. O vôo 2038 durou apenas 18 minutos, contando os 5 minutos em que o avião ficou taxiando na pista.
Segundo o Departamento de Aviação Civil (DAC), um engenheiro inspecionou o Boeing para tentar descobrir o que aconteceu. Não há previsão para a divulgação do laudo oficial.
Os 77 passageiros passaram a noite em hotéis e embarcaram ontem para Minas em três vôos, saídos de Cumbica e Congonhas. Eles disseram que, cerca de cinco minutos após a decolagem, ouviram um estrondo vindo do lado esquerdo do Boeing. Em seguida, muitos viram uma bola de fogo saindo da turbina. "O avião teve uma baixa de energia e caiu talvez uns 10, 15 metros", disse o advogado André Luiz Martins, de 26 anos. Ele contou que um senhor do Recife pegou o celular e, desesperado, ligou para um parente, piloto de avião. "Ele gritava: 'O avião vai cair, o avião vai cair.'"
A turbina fazia barulho e soltava faíscas. Muitos não perceberam que o Boeing estava voltando. "Começamos a rezar como loucos, fiquei com muito medo porque apagou a luz. Achei que os pilotos não estavam vendo nada", contou a estudante Simone Lascasas, de 21 anos.
O alívio só veio quando o comandante anunciou que pousaria novamente em Cumbica. "O avião retornou bem lentamente, um pouco instável", disse Martins. Seu pai, Dionaldo Martins, de 61 anos, disse que na hora em que o avião pousou, todos os passageiros aplaudiram. "O piloto foi muito habilidoso."
Susto no céu, bom humor na terra. Na hora do acidente, só Justino e a mulher, Valdelice Pereira da Silva, estavam em casa. Na madrugada de ontem, Valdelice, sete anos mais nova que o marido, ouviu Justino contar várias vezes a história da peça de turbina que deixou um buraco no telhado. Sempre que ele imitava o barulho da peça, Valdelice caía na risada.
Embora esteja vivendo há menos de uma semana na casa atingida pela palheta, o aposentado mora há mais de 30 anos no bairro, a 2 quilômetros da pista do aeroporto. Justino disse estar acostumado com a barulheira dos aviões. "Este aí, que perdeu a turbina, eu sabia que estava decolando. Quando ouvi o barulho falei: 'Acho que este avião está se espatifando no céu.' Não é que eu tinha razão?"
Justino registrou boletim de ocorrência para poder cobrar a Varig pelo prejuízo - a empresa informou que concordou com o pedido do aposentado de pintar a casa, além de consertar o telhado danificado pela palheta. Em 2005, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) registrou 39 acidentes em vôos domésticos no País, o menor número em 12 anos.